Linguagens, códigos e suas tecnologias
Por Graça Sette, professora de Língua Portuguesa e coautora de “Para Ler o Mundo” (6º ao 9º ano e Ensino Médio), editora Scipione; e Márcia Travalha, professora de Língua Portuguesa e coautora de “Para Ler o Mundo” (Ensino Médio), editora Scipione.
Em conformidade com a proposta do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), as questões de múltipla escolha de Linguagens, códigos e suas tecnologias promoveram a interdisciplinaridade, trataram de temas de relevância social e importantes para o jovem (veja lista abaixo) e também relacionaram formas diversas de linguagem, como pintura, literatura, cartum e anúncio publicitário. Seguindo a proposta do exame, destaca-se o uso dos diferentes recursos de linguagem e seus mecanismos de construção de sentido nos mais variados campos do conhecimento, além de situações de interação social.
Percebe-se também a ênfase em funções da linguagem, variedade linguística, marcas argumentativas em diferentes gêneros textuais, relação entre gênero, linguagem usada e função social do texto, e temáticas relacionadas ao uso de novas tecnologias de comunicação e informação. É importante ressaltar que não apareceu na edição de 2010 nenhuma questão que fizesse referência explícita à nomenclatura gramatical e às escolas literárias. Já os textos literários apareceram muito fragmentados, o que levou o estudante a uma leitura pouco contextualizada e superficial.
É difícil afirmar categoricamente que determinadas habilidades estejam “em baixa”, uma vez que se trata de um exame com 45 questões – o que limita a possibilidade de abranger todas. Por outro lado, as questões não trataram isoladamente de apenas uma competência ou habilidade da nova matriz. Pela análise da edição de 2010, pode-se dizer que os gêneros e os temas são objetos de estudo desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, variando o grau de aprofundamento de acordo com o nível de ensino e a faixa etária dos alunos.
Gêneros e tipos dos textos explorados nos enunciados:
➢ Textos da esfera jornalística: em geral foram apresentados fragmentos de notícias, crônicas jornalísticas, artigos de opinião, trechos de reportagens (em sua maioria de divulgação científica), horóscopo, capa de revista, infográfico/mapa, dicas (texto instrucional de como usar o Twitter) e gráfico.
➢ Texto biográfico: biodados do escritor Machado de Assis.
➢ Textos literários: fragmentos de Clarice Lispector, Jorge Amado, Dalton Trevisan, Machado de Assis, Arnaldo Antunes, João do Rio, Lima Barreto, Álvares de Azevedo e Monteiro Lobato.
Álvares de Azevedo: embora o poema se filie à segunda geração romântica, o tema “A morte” é de caráter universal.
João do Rio e Lima Barreto: tematizam o processo de urbanização do fim do século XIX e do início do século XX. João do Rio trata a rua como espaço de convivência; Lima Barreto, como espaço de exposição.
Jorge Amado e Dalton Trevisan: mostram o espaço urbano como lugar de exclusão social.
Clarice Lispector: retrata a situação de uma mulher de classe popular, com prestações a pagar e preocupações com os filhos. Entretanto, a questão só faz referência à coesão textual.
Monteiro Lobato: condena a sociedade escravagista e o preconceito racial, usando recursos como ironia e sarcasmo.
Machado de Assis: o texto de Quincas Borba tematiza a perda de identidade devido à influência estrangeira, com referência à escravidão.
➢ Letra de canção: trecho de música do grupo Os Tribalistas (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte) em que o neologismo é empregado como recurso poético.
➢ Texto publicitário: anúncio impresso.
➢ Outras linguagens: fotos, mapa, reprodução de pinturas, cartuns.
Há que se fazer uma crítica à fragmentação dos textos – o que, em nossa opinião,empobrece a leitura e contraria os parâmetros do Ministério da Educação e Cultura (MEC) no que se refere às propostas pedagógicas de leitura e compreensão de textos.
Principais temas abordados nos textos de apoio das questões:
➢ Meio ambiente.
➢ Novas tecnologias de comunicação: linguagem, relação entre o público e o privado, democratização e confiabilidade das informações divulgadas na internet. Esse foi o assunto mais focalizado nesta edição do Enem – assim como na anterior, conforme frisou a professora Juliana de Souza Topan em sua análise para o Portal do Sistema UNO de Ensino, em dezembro de 2009: “Nesse sentido, é interessante notar a ênfase às temáticas relacionadas ao uso de novas tecnologias de comunicação e informação – muitas questões mencionavam o papel da web como difusora de cultura e conhecimento (como se houvesse o intuito de despertar a consciência para um maior aproveitamento da internet por parte dos jovens, que majoritariamente a utilizam apenas para entretenimento) e de novos padrões comunicativos proporcionados pela leitura e pela interação em meios eletrônicos”.
➢ Exclusão social.
➢ Saúde: atividade física, compulsão alimentar, tabagismo (fumante passivo).
➢ Questões relativas a gênero: representação do gênero feminino na década de 1940.
➢ Tráfico de drogas: causa/consequência/solução.
➢ Língua, linguagem, variedade linguística.
➢ Sociedade escravocrata.
Redação
Como nos anos anteriores, foi proposto um tema de relevância político-social e interdisciplinar: “O trabalho na construção da dignidade humana”. O trabalho, aliás, é um tema recorrente. Em 2005, a proposta de redação do exame foi “Trabalho infantil no Brasil”. Para subsidiar a produção textual, na edição de 2010 foram apresentados dois textos de apoio, dando ao aluno uma visão global do tema.
O primeiro texto motivador, intitulado “O que é trabalho escravo”, discute que, apesar da assinatura da Lei Áurea, em 1888, o trabalho escravo persiste no Brasil na forma de serviços degradantes que cerceiam a liberdade do trabalhador, especialmente em atividades agropecuárias. Já o segundo, chamado “O futuro do trabalho”, projeta uma realidade otimista para o trabalhador de 2020 (principalmente a mulher), que será valorizado profissionalmente e terá boas condições de vida em um ambiente sustentável. Os examinadores ainda apresentaram uma equação que sintetiza o texto.
Para produzir o texto dissertativo-argumentativo, o aluno foi convidado a confrontar o passado (com o Brasil escravocrata do século XIX), o presente (com as condições degradantes de trabalhadores brasileiros na primeira década do século XXI) e o futuro (com uma projeção do trabalhador inserido em um cenário tecnológico e globalizado do século XXI).
Ele poderia empregar como recurso argumentativo uma experiência pessoal, ilustrando as situações retratadas nos textos motivadores e defendendo seu ponto de vista. Poderia também sugerir propostas de intervenção na realidade, como maior fiscalização, apoio ao pequeno agricultor por meio de crédito e novas tecnologias, criminalização dos empregadores que desrespeitam os direitos humanos e investimento em educação e formação profissional.
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